terça-feira, 22 de outubro de 2019

O começo do fim de uma História

O começo do fim de uma História


A população ribeirense foi recentemente surpreendida pela instalação de sirenes de alerta e placas indicativas de rotas de fuga e pontos de encontro por toda a cidade. Este fato se deu em virtude de que se, um eventual acidente (rompimento) na barragem da Usina Hidrelétrica do Funil, hoje controlada pela Aliança Energia viesse acontecer, todos esses aparatos serviriam para reduzir danos e evitar risco de morte aos residentes nas agora Áreas de Risco.

Placas instaladas pela UHE Funil
O distrito de Ribeirão Vermelho se classifica como um dos menores municípios do País em extensão territorial (40,3Km²) de área e o mais importante, talvez o único distrito portuário em toda a extensão da navegação do Rio Grande e canais, lagoas, estações ribeirinhas e seus lugares mais distantes para o encontro de um percurso de 208 quilômetros rio abaixo, durante mais de 70 anos. É por excelência um lugar com poderes ecoturísticos peculiares. 

O Rio Grande em áureos tempos.

Sua harmonia com a natureza, as curvas do rio e a conformidade com os trilhos dos ramais ferroviários se tornaram impressões de relações de combinação de sua identidade histórica. Seu patrimônio histórico tomado em conjunto são portadores de referência da ação dos grupos formadores que fizeram parte da história da implantação das estradas de ferro pioneiras no país.

Acontece que a cidade de Ribeirão Vermelho está inserida na influência de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional gerados pelas operações de Furnas Centrais Elétricas, Ferrovia Centro Atlântica, Consórcio AHE Funil (Aliança Energia) e em crescimento descontrolado nos últimos anos a cruel e desordenada extração de areia do leito do Rio Grande que mudou visivelmente a geografia do rio nos arredores da cidade.

O Rio Grande hoje: destruído pela alternância constante do nível da água devido as operações da UHE Funil e da ininterrupta extração de areia.

O Rio Grande hoje: destruído pela alternância constante do nível da água devido as operações da UHE Funil e da ininterrupta extração de areia.

A Usina de Furnas que entrou em operação em 1963 foi construída as custas de uma desapropriação de terras de tamanho descomunal atingindo 32 municípios, entre eles Ribeirão Vermelho. Entram nesta conta mais de 8000 propriedades rurais e urbanas totalizando uma área de aproximadamente 145.950 hectares no total. Em Ribeirão Vermelho foram 100 casas de morada no bairro Niterói e no perímetro urbano, outras centenas de residências. O reservatório destruiu inúmeras vidas  - terrestres e aquáticas. Macro e microclimas essenciais ao equilíbrio do meio ambiente, municípios, cobrindo muitas estradas vicinais, pontes, linhas telegráficas e telefônicas e vertentes geográficas rompendo hábitos e costumes próprios. Era o novo alento que partia de seus geradores em detrimento da degradação moral, cultural e ambiental potencializada. Milhares e milhares de pessoas viveram o drama de serem deslocados para ligares estranhos dos seus.

A ferrovia no ramal de Ribeirão Vermelho desce da estação de Aureliano Mourão no Km 0 e chega à Estação de Pedra Negra (foto) no Km 25,376. A paisagem acima hoje jaz sob muitos metros de profundidade nas águas da UHE Funil. A população foi a contragosto relocada para o município de Ijaci. 

Associados aos impactos da Usina do Funil, os espécimes da fauna silvestre  pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres estão perdendo seu ciclo de vida com a ocorrência do desequilíbrio populacional caraterístico. Para os mais antigos Ribeirenses, o impacto fica claro tendo como amostra principal o Rio Grande e todo o seu leito, água vendida, natureza penhorada, assim como um produto de um mercado consumidor qualquer, um mercado destruidor e geralmente repressor.

UHE Funil

Abaixo do reservatório da UHE Funil que compreende Ribeirão Vermelho, estamos presenciando o Rio Grande padecer, agonizar, no seu próprio leito de vida. Nesta localidade suspeita-se que não houve qualquer levantamento ou estudos prévios e relatórios a respeito dos impactos ambientais, sociais e culturais, naturalmente, previstos por estar numa área de influência do projeto. As autoridades da política administrativas envolvidos num projeto ambiental dessa amplitude R$190.000.000,00, não se comportam como profissionais, se apoderando da humildade e do temor das pessoas que vivem e que aqui tem a história de vida dos seus antepassados. Apoderam-se do que não lhe pertencem e tomam posse da inconveniência daquilo que fazem em causa própria em situação de opressão de seus moradores. Seus direitos foram esquecidos.

É difícil tentar explicar como se sente qualquer antigo cidadão Ribeirense que viu a beleza exuberante que esta cidade já teve um dia e que hoje vê o estado de degradação irreversível a que chegou esta que, nos áureos tempos já foi conhecida como "A Pérola do Rio Grande". Acordamos um dia e vimos nossas ruas tomadas de placas de alerta e sirenes nos lembrando que agora habitamos uma área de risco permanente. O que já foram belas ruas com moradas de arquiteturas icônicas hoje são tomadas de um asfalto feio danificado pelo tráfego alucinante de caminhões de areia, atividade esta que ao ver de boa parte população só trás sujeira e destruição ao meio ambiente e a área urbana. 
Não se faz necessário aqui apontar culpados pela situação agonizante que se encontra Ribeirão Vermelho. Política e economicamente já morreu faz tempo devido ao descaso e promessas vãs de quem deteve o poder para mudar algo. O que dói e ver agonizar as memórias, a cultura e a história de um povo que bravamente lutou para que entre os idos de 1900 e 1901 garantiram a criação definitiva e irrevogável do distrito de Ribeirão Vermelho.

À esquerda, área de extensão ecoturística não implantada pela política administrativa. O estádio de futebol e a Lagoa que não existe mais. A direita uma zona histórico cultural cedido aos cuidados da PMRV pela RFFSA. Atualmente encontra-se em parte degradada pela ação do tempo e falta de cuidados dos responsáveis.

As atuais autoridades fica o recado conforme ouvi de um amigo. "Esta terra é muitíssimo digna de mais respeito e carinho". 

Não permitam que este seja mesmo o começo do fim.

O autor deste blog.

***Fontes adicionais: Livro Minha Aldeia - A Pérola do Rio Grande - Márcio Salviano Ed. INDI.