segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O "Vapor"

Devido ao grande período de estiagem e a triste condição que se encontra o nosso Rio Grande, recentemente foram encontrados sob a areia da praia que se formou entre a ponte e o antigo porto, restos das embarcações que outrora faziam parte da navegação no Rio Grante entre a  barra do Ribeirão Vermelho, a uma légua da cidade de Lavras, até a cachoeira da Bocaina, na Pimenta, perto da cidade de Piumhy. A prefeitura iniciou trabalhos de escavações no entorno das embarcações naufragadas, porém não informou se irá concluir a retirada das embarcações e restaurá-las.

Trago abaixo trecho de texto sobre o início da navegação retirado de uma comunidade no site Facebook (https://pt-br.facebook.com/permalink.php?story_fbid=429912467086548&id=123396714404793&stream_ref=5) e também fotografias feitas recentemente do que sobraram das embarcações. Os créditos da fotos são de Edson C. Patto.






http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=707619&pagfis=3462&pesq=&esrc=s


"A Navegação do Rio Grande
 OS PRIMÓRDIOS
No século XIX, um obstáculo ao desenvolvimento de Minas Gerais, e de sua transição da economia do escravismo para o capitalismo, era a deficiência de vias e meios de transporte. A província interiorana, com vasto território, por muito tempo foi propositadamente mantida isolada, para um melhor controle sobre as riquezas extraídas da região pelos portugueses. Para mudar essa condição, planos viários foram elaborados e fundadas empresas ferroviárias e de navegação. Não foi diferente na região Sul de Minas, conformada pelos municípios a noroeste da Serra da Mantiqueira e sudeste do Rio Grande, ocorrendo uma modernização geral dos transportes.
Em 13/04/1.849, houve uma solicitação à Câmara Municipal de Lavras para abertura da navegação do Rio Grande. As terras banhadas pelo rio, a oeste de São João d’El-Rey, eram um dos principais vetores agrícolas da província. O núcleo urbano de Formiga despontava como ponto articulador de negócios da lavoura e pecuária, com intensas vinculações comerciais com São João d’El-Rey. Havia nesta zona produção de cereais, fumo, cana de açúcar, algodão e gado, com crescentes exportações para o Rio de Janeiro. O rio possuía transito expressivo de canoas, ajojos e barcas impulsionados por varas e remos, que transportavam de 200 a 600 arrobas.
Em 1.850 o cidadão José Jorge da Silva Penna, então Agente Executivo de Lavras, efetuou os primeiros estudos para o estabelecimento da navegação do Rio Grande, começando na barra do Ribeirão Vermelho, à margem esquerda do rio e a aproximadamente 8km de Lavras, e seguindo rio abaixo.
Em 20/06/1.856, a Lei nº 793, em seu artigo 4º, autorizou o então presidente da Província Herculano Ferreira Penna a contratar uma empresa para explorar a navegação entre as vilas de Lavras do Funil e Piumhy, nas proximidades da confluência dos rios Verde e Sapucahy.
Em 1.862, o coronel Joaquim Camillo Teixeira da Motta forneceu em seu relatório informações de que, segundo os exames feitos pelo engenheiro Jules Borell du Vernay , o Rio Grande era navegável, mesmo na ocasião da mais rigorosa seca, numa extensão de 40 léguas, desde a embocadura do Ribeirão Vermelho até a Cachoeira da Bocaina , sendo necessário apenas remover as madeiras que, caindo das margens, costumavam obstruí-lo. Daí em diante, em razão das numerosas correntezas existentes, a navegação era impraticável. Praticava-se então, um comércio rotineiro no mesmo sistema empregado no Rio das Velhas. Da Cachoeira da Bocaina em diante a navegação era impraticável pelas numerosas correntezas existentes, que muito dificilmente se poderia remover.
Sobre a navegação do Rio Grande, o engenheiro J. D. de Araujo e Souza, quando diretor de obras públicas de Minas, solicitou informações ao sr. Dr. Francisco de Paula Ferreira e Costa, que forneceu os seguintes dados:
“Em solução á sua carta de hoje cabe-me informar que o Rio Grande, magestoso rio de futuro immenso para nossa patria, é perfeitamente navegavel a começar da barra do Ribeirão Vermelho, a uma légua da cidade de Lavras, até a cachoeira da Bocaina, na Pimenta, perto da cidade de Piumhy, encontrando sempre um canal em termo médio de 4 ½ a 5 palmos de profundidade, sendo a menor profundidade 4 ½ palmos na ilha da Correnteza e nas Itapoeiras, em outros lugares é ella de 6, 7, 8, 11 e mais palmos.”
Demonstrada a navegabilidade do Rio Grande, Araujo e Souza entendia que, por meio de canais de derivação ou comportas, o rio poderia transformar-se numa via ininterrupta de Lavras a Sant’Anna do Parnahyba, na foz do Rio Grande, em um percurso de mais de 800km, fazendo parte da via de comunicação da Côrte ao Mato Grosso.
Porém, a exploração das dezenas de léguas só veio acontecer quando o cônego Joaquim José de Sant’Anna, comendador da Ordem de Cristo e vice-presidente da Província de Minas Gerais, sancionou a Lei nº 2.754 de 18/12/1.880, concedendo ao Dr. José Jorge, ou a empresa por ele organizada, a subvenção de 5:000$000 anuais, pelo prazo de 5 anos, para a navegação a vapor do Rio Grande, entre a barra do Ribeirão Vermelho e as imediações da Cachoeira da Bocaina. Requereu este cidadão a celebração do respectivo contrato, que foi lavrado a 15/04/1.882 , e nele ficaram assentadas, entre outras cláusulas:
• Que as viagens redondas seriam pelo menos uma a cada mês;
• Que a subvenção seria paga por semestres vencidos, com exceção da primeira, que o concessionário receberia logo depois de começada a navegação;
• Que a empresa pagaria multa de 100 a 500.000 réis pela inobservância do contrato;
• Que o concessionário, depois de ter prestado a necessária fiança no valor de 5:500$000, já havia recebido a 1ª prestação na importância de 2:500$000.
Dentre as embarcações, a primeira foi o vapor “Dr. Jorge”, homenagem prestada àquele cidadão pelos seus serviços e constante dedicação em prol da navegação do Rio Grande, iniciada em 18/12/1.880, mas que só se tornou regular em Janeiro/1.881, fazendo uma viagem semanal entre a barra do Ribeirão Vermelho e as proximidades da Cachoeira da Bocaina, descendo 208km do rio até o porto de Capetinga em 1½ dia e subindo em 3½ dias. A embarcação fora construída no Mississipi, Estados Unidos para serviços de reboque, e possuía 2 lanchões de madeira e um saveiro de ferro para o confortável transporte de passageiros. Veio para o Brasil e foi montado na margem esquerda do rio, por técnicos da indústria naval americana. Ocupava 10 homens de serviço e transportava gêneros alimentícios como sal, queijos, café, e couro, fumo e lenha.
Um jornal de Alfenas de Dezembro/1.880, cuja nota foi recolhida pelo lavrense Ary Florenzano, noticiou o seguinte:
“Teve lugar, sábado, dia 18, a inauguração da navegação a vapor no majestoso Rio Grande, légua e meia de Lavras. À uma hora da tarde, o vapor Dr. Jorge, vindo com a bandeira nacional e tendo na proa duas outras, em que se liam os nomes do saudoso Dr. José Jorge e do Com. José Esteves, recebia a bordo alguns convidados de ambos os sexos. Depois da solenidade da bênção, desferiu a carreira, saudado pelas bandas de música de Lavras e Perdões, postadas nas duas margens, e pelas aclamações frenéticas da multidão. Ao desembarcarem os primeiros personagens, pronunciaram discurso saudando a nova era que surgia para estas regiões abençoadas. Fez ainda, o vapor, alguns passeios pelo rio, conduzindo grande numero de pessoas, e constantemente erguiam-se calorosos vivas aos dignos empresários. Apresentava à noite, um belo aspecto a improvisada estação, ornada de bandeiras e luzes de cores, queimando-se na margem oposta um vistoso fogo de artifício. Foi uma realidade a navegação a vapor do Rio Grande a esta parte de Minas, com merecido estusiasmo o primeiro vapor que sulcou galhardamente as águas do majestoso rio, justamente denominado Mississipe Brasileiro.”
Já a edição de 20/12/1.880 do Monitor Sul Mineiro noticiava:
“Tomando a mim o espinhoso cargo de noticiar aos leitores deste jornal o que por aqui for ocorrendo, dou parabéns à minha fortuna por ter de relatar, em linguagem tosca, o fato de ter inaugurado ante-ontem a navegação do majestoso Rio Grande. Dias antes do lançamento do vapor Dr. Jorge, no Rio Grande, era o tema de todas as palestras o resultado favorável desta navegação, pois não era uma utopia para as cabeças bem formadas e corações repletos de patriotismo. Tendo o vapor recebido a bênção do Reverendo Vigário José Bento Ferreira de Mesquita, a música de Lavras, ao som de vistoso fogo de artifício, executou várias peças. Do lado oposto do rio, vindo de Perdões, estava a música daquela freguesia acompanhada de várias pessoas que vieram testemunhar o apreço que os ligava àquela idéia. Concluída a cerimônia religiosa de bênção, pôs-se o barco a vapor em movimento; descendo e subindo o rio e levando muitas pessoas que entusiasmavam-se com aquele pássaro gigante para o progresso. O barco a vapor trazia na proa um pavilhão nacional e duas bandeiras em que liam-se os nomes do Dr. José Jorge da Silva e Comendador José Esteves de Andrade Botelho, aos quais se deve a idéia desta navegação. Ao som das bandas de músicas, o barco a vapor fez várias evoluções no rio e à noite queimaram-se inúmeros foguetes, etc. Aos senhores Francisco Alves de Azevedo, Evaristo Alves de Azevedo , José Jorge da Silva Penna, deve-se a feliz lembrança de serem as águas do Rio Grande sulcadas por um barco a vapor, desde a embocadura do ribeirão Vermelho até o povoado de Pimentas, no município de Piumhy. Honra a estes cavalheiros. Está, pois, inaugurada a navegação do Rio Grande.”
No relatório apresentado pelo senador João Florentino Meira de Vasconcellos em 12/12/1.881, ao passar a administração da Província ao 2º Vice Presidente Cônego Joaquim José de Sant’Anna, foi citado um pedido ao governo imperial de privilégio para a navegação de parte do Rio Grande, feito pelo cidadão norte-americano Henrique Mills, sem especificar, no entanto, que parte seria esta.
Por escritura pública de 15/04/1.884, aprovada e ratificada pelo governo em 25/06/1.884, todos os direitos, vantagens e ônus do contrato anteriormente celebrado foram cedidos a Francisco Alves de Azevedo e a Evaristo Alves de Azevedo, que, a seu turno, por escrituras de 28/11/1.884, fizeram transferência dos seus direitos a José Antonio de Almeida, comerciante proveniente de São João d’El Rey, onde era um dos empresários da navegação do Rio das Mortes sob a firma Pedroso, Almeida & C. Este logo organizou uma grande firma, a José de Almeida & Landares , montando um vapor pequeno que rebocava uma chata, transportando mercadorias até Capetinga, servindo às localidades de Formiga, Campo Belo e outras. A empresa a cargo de José Antonio de Almeida contava também com a subvenção anual de 5:000$000 e utilizava o vapor “José Jorge”. No entanto, tendo o empresário requerido o pagamento do semestre de 15/04/1.885 a 14/10/1.885, ouvidas as diretorias de Obras Públicas e da Fazenda, aquela opinou contra o pagamento, por não constar dos documentos apresentados que a navegação tivesse sido feita por outro vapor além do “José Jorge”, e não terem sido cumpridas outras cláusulas do contrato. A Câmara Municipal de Itapecerica pediu que fosse cassado o privilégio, fato informado à Diretoria da Fazenda por despacho de 04/12/1.885.
Em 09/07/1.886 foi autorizado, por despacho, o pagamento da subvenção de 5:000$000 vencida dos semestres de 15/04/1.885 a 14/10/1.885 e de 15/10/1.885 a 14/04/1.886.
Em 1.887, deixando de apresentar o relatório dos trabalhos do ano anterior, pediu o empresário prorrogação de 90 dias para cumprir este dever, estabelecido no § 6º da cláusula 5ª do contrato. Não só foi indeferido o pedido pela presidência da província, como imposta multa de 100$000 pela falta cometida. Em 27/04/1.887, sobre proposta da Diretoria Geral, ordenou a presidência o pagamento da subvenção correspondente ao semestre decorrido de 15/04/1.886 a 14/10/1.886. Ao final do ano de 1.887, o empresário solicitou também o pagamento da subvenção correspondente ao semestre de 15/04/1.887 a 14/10/1.887.

Notas:

1) Agente Executivo era o presidente da Câmara Municipal, que exercia a função hoje equivalente a prefeito.

2) Joaquim Camillo Teixeira da Motta (* 15/07/1815 Bom Jesus do Amparo, MG) foi o 3º vice-presidente da província de Minas, tendo assumido a presidência de 17/05/1862 a 09/12/1.862.

3) Na década de 1.850, Jules Borell du Vernay era engenheiro (civil) da Província de Minas Geraes.

4) Cachoeira da Bocaina ficava em Capetinga, atualmente Santo Hilário, distrito de Pium-í.

5) O privilégio exclusivo da navegação do Rio das Mortes foi concedido a Celestino Gaspar de Oliveira, ou quem melhores condições oferecesse, por 20 anos, em virtude da Lei nº 2.572 de 1.879. Caducaria a concessão se, dentro de 2 anos, não fosse iniciada a navegação, que deveria ter suas tarifas de fretes e passageiros sujeitas à aprovação do governo, que estipularia os favores e ônus de costume em tais casos. O referido cidadão requereu a efetividade daquela lei em seu favor, apresentando as bases do contrato a ser celebrado, e pediu mais os favores da Lei nº 2.334 de 1.876, isentando de impostos provinciais as máquinas e materiais para quaisquer empresas ou companhias industriais. Examinadas as bases, e julgadas aceitáveis, lavrou-se o contrato a 04/03/1.879. Em 19/12/1.880 chegou no Porto Real, subúrbios de S. João d’El-Rei, a lancha a vapor “Virgilio de Mello Franco”, vinda da Invernada, conduzindo à reboque 2 barcas galhardamente embandeiradas, o sibilar do vapor em harmonia com os festivos sons de uma banda de música colocada à margem do rio, onde se aglomerava também numerosa multidão, bem como na ponte. Eram então empresários da navegação José Antonio de Almeida e o citado Celestino de Oliveira.

6) Algumas fontes referem-se à firma Almeida & Landares, ou Almeida & Laudares, e ainda Almeida & Loudares, dos empresários José Antonio de Almeida e Francisco Pereira da Motta Landares. Esta firma obteve também a concessão da navegação de São Francisco a Ribeirão dos Patos, no rio São Francisco, por transferência por escritura pública de todos os ônus e direitos dos cidadãos Paiva & Costa, que tinham contrato celebrado em 21/10/1.884 com a Província, em virtude da Lei nº 3.174 de 22/10/1.883. Tendo porém estes cidadãos pedido a aprovação dessa transferência, verificou-se, ouvidas as diretorias de obras pública e de fazenda, que os empresários não cumpriram as condições estipuladas no contrato, resolvendo a presidência da Província impor-lhes multa e bem assim rescindir o mencionado contrato.
A empresa da navegação do rio São Francisco, dos contratantes Paiva & Costa, contava com subvenção anual de 3:000$000. Deveria ter recebido por cessão o vapor “Saldanha Marinho”, em face do disposto no art. 2º da lei 3.174, mediante a condição de transportá-lo do lugar em que achava-se ancorado até acima da cachoeira Pirapora, para utilizá-lo depois de convenientes reparos. A empresa, porém, recusou-se a aceitá-lo, em razão de seu estado de completa ruína. Um contrato foi assinado com o tenente-coronel Caetano Mascarenhas em 20/08/1.885, que havia proposto utilizar o vapor sem ônus para a Província, e obrigava-se a estabelecer a navegação no rio das Velhas entre Sabará e o porto de Jequitibá. Na mesma data, foi nomeada pela presidência da Província uma comissão para examinar e proceder a entrega do vapor."



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