segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Os ribeirenses e a grande guerra!


Ribeirão Vermelho também não passou ilesa pela Segunda Grande Guerra e muito de seus filhos foram convocados a lutar pelo nosso país. Não consigo contar a história de todos infelizmente, porém, abaixo temos duas histórias acontecidas durante a guerra em solo italiano vividas e contadas por David Ferreira Dâmaso, um dos Ribeirenses que participou desta história junto aos demais pracinhas Brasileiros.
 


 Foto tirada após a conquista de Montese – Soldados do 11ºRI


Cabo David Ferreira Dâmaso
  
Ex-combatente da 2ª Guerra Mundial
11º RI – Regimento de Infantaria – Regimento Tiradentes
São João Del-Rei – MG

Natural de Ribeirão Vermelho – MG
UNIDADE:
II/11º Regimento de Infantaria

POSTO OU GRADUAÇÃO:

Cabo. Ao regressar ao Brasil foi licenciado e reintegrou-se a suas atividades civis
CONDECORAÇÕES:
Medalha de Campanha

Entrevistado por um membro da Diretoria da Anvfeb/JF.

UM ACONTECIMENTO QUE FICOU GRAVADO EM SUA MEMÓRIA.
“Tudo e todos os acontecimentos ocorridos durante o desenrolar da Campanha da FEB na Itália, foi importante para mim. Assim sendo, vou começar, contando como e porque fui incluído na Força que deveria representar o Brasil na 2ª Guerra Mundial.

Em 1941, apresentei-me como voluntário no 11º Regimento de Infantaria em São João Del-Rei. Tinha 16 anos. Completei 17, no dia 7 de maio de 1941, já como soldado.
Para usar de franqueza, devo dizer que a minha intenção era servir um ano para cumprir minha obrigação militar. Mas todos sabem que a partir de 1941, até o final da guerra não houve licenciamentos no Exército, razão porque, quando o meu Regimento, o 11º RI, foi escolhido para integrar a FEB, tornei-me um expedicionário.
Embora pertencesse ao 11º Regimento de Infantaria, segui para a Europa com o 6º Regimento de Infantaria, no dia 2 de julho de 1944 e, na Itália, quando a tropa que constituiu o primeiro escalão entrou em ação de combate, o pessoal pertencente ao 11º RI, que havia seguido com o 6º RI, passou a constituir tropa de reserva para o recompletamento dos quadros.
Com a chegada dos 2º e 3º Escalões da FEB, que foram estacionados em San Rossore, próximo a cidade de Pisa, fui procurar o meu antigo comandante de sub-unidade (C.P.P./2) e pedir para ser requisitado. O Comandante da E.P.P./2 não atendeu ao meu pedido como também me incluiu no meu antigo Pelotão de Morteiros, porém não encontrei meus antigos companheiros, mas, mesmo assim, fui recebido com cordialidade por todos e nos tornamos “uma família unida”.
Depois de um período de instrução no acampamento de San Rossore, seguimos para Silas, onde estava a Linha de Frente. Passamos por um lugarejo chamado TORRE DE GRANAGLIONE, onde fomos forçados a estacionar devido ao mau tempo (chuva muito forte), para passar a noite. O inverno estava começando, porém ainda não estava nevando. As noites, porém, eram muito frias e o solo e as plantas amanheciam com uma camada de neve.
Para passarmos a noite naquela região, o Comandante procurou abrigar todo o pessoal nas casas ali existentes, o que não foi muito difícil porque as famílias italianas já estavam acostumadas com aqueles contratempos. O meu Pelotão foi alojado na Capela ali existente, um lugar muito apertado para tanta gente; mesmo assim procuramos “nos ajeitar” da melhor maneira possível.
Depois de deixar “nossas coisas” no local que me coube, sai para um reconhecimento dos arredores. Parado na única pracinha do local, conversava com um colega, quando ouvi (eu já entendia mais ou menos o italiano) um habitante da localidade comentar que na casa dele havia lugar para umas 5 pessoas, mas que ninguém o procurou. Dirigi-me, então, àquele que havia comentado e pedi-lhe que não falasse sobre o assunto com mais ninguém, pois eu ia pedir ao meu comandante autorização para aceitar o seu acolhimento.
Procurei o meu Comandante e, depois de contar-lhe o fato, pedi-lhe permissão para aceitar o oferecimento do italiano, o que me foi concedido. Procurei, então o cabo da outra peça de morteiro, convidamos os dois sargentos do pelotão e também o sargento auxiliar, e nos trnsportamos para a casa do hospitaleiro italiano, que era um idoso.
Estávamos com as nossas roupas molhadas, inclusive as roupas que se encontravam nos sacos. A temperatura havia caído muito, razão porque, ao entrarmos na casa do italiano, procuramos nos chegar a lareira a fim de nos aquecermos.
Habitavam aquela casa um casal de velhos que eram chamados de “nonos”, por uma mulher cujo marido “tedeschi portare-via”, um “bambino” de 9 anos mais ou menos e uma “ragazza” de 11 ou 12 anos, doente e acamada.
Pelo aspecto da casa e pela educação de seus habitantes via-se que eram pessoas de classe média e que viviam com relativo conforto.
Para nos confraternizar com aquela delicada e hospitaleira família, procuramos estabelecer um “papo” o que não foi difícil, apesar de ainda não estarmos bem familiarizados com o idioma italiano, porque havia da parte dos italianos um desejo de conhecer algo sobre o Brasil, sendo estabelecido uma espécie de serão com o aparecimento de outras pessoas. Primeiro foi uma “ragazza” que morava nas proximidades; depois foram alguns rapazes e mais uma ou duas “ragazzas”. Falamos sobre vários assuntos e, de quando em vez, alguém nos perguntava como era São Paulo, etc…
O primeiro que sentiu vontade de se recolher, foi o Sargento Thadeu – era o Sargento Auxiliar do Pelotão.
- Vou deitar-me – disse. Estou cansado…
- Espera um momento – disse a velha senhora que já havia se solidarizado conosco. Vou esquentar a cama.
- Não é preciso – disse o Sargento Thadeu um tanto encabulado. Não precisa se incomodar. Muito obrigado.
Com as nossas caras de “lobo mau”, maliciamos o caso e isto encabulou ainda mais o Sargento que saiu da sala, dirigindo-se para o quarto que lhe havia sido destinado.
Não demorou muito, esfregando as mãos e encolhido, retornou o Sargento Thadeu:
- Êta frio danado! A cama está tão fria que até parece que jogaram água gelada no colchão.
- Eu sabia que o senhor não conseguiria dormir – disse a senhora que a seguir saiu da sala.
Com aquelas mesmas caras de “lobo mau”, perguntamos a nós mesmos: será que ela vai deitar na cama para aquecê-la?
O que aconteceu foi o seguinte. Saindo da sala a boa “nona” foi buscar uma vasilha de barro com alça, cheia de brasas. Colocou uma armação de bambu ou taquara sobre a cama, pendurou a vasilha de barro com alça que ficamos sabendo chamar-se “escaldine” e a seguir cobriu a armação com os cobertores.
Dormimos naquela noite como uns justos e, no dia seguinte, quando despertamos, encontramos as nossas roupas enxutas, inclusive as roupas dos sacos de campanha, as nossas galochas limpas e os nossos capotes escovados. Aquela boa “nona” e aquela senhora, ainda bonita que tinha uma filha doente, cujo marido “tedeschi potare via”, passaram parte da noite cuidando da roupa de cinco soldados desconhecidos, fazendo aquilo que somente uma mãe faria e o que poucas esposas seriam capazes de fazer. Ficamos comovidos. Não havia palavras capazes de expressar nossos agradecimentos.
Quando fomos pegar a nossa primeira refeição do dia, lembramos da menina doente e procuramos obter uma boa ração de mingau de aveia para ela e outras coisas para atender também as demais pessoas. Procuramos em nossos sacos aquilo que não nos fazia falta e lá deixamos chocolate, biscoitos. Cigarros e até um par de calçado e alguns agasalhos que não nos faziam falta, mas que, absolutamente, não quitava a nossa gratidão.
Não me foi possível voltar a Granaglioni e não tive mais notícias daquela gente boa que, numa noite de chuva, frio e lama, nos acolheu em sua casa e nos deu demonstração inesquecível de comovente solidariedade humana e de amor ao próximo. Fiz o possível para voltar àquela localidade e rever os “NONOS DE GRANAGLIONI”, não somente para abraçar-lhes como também para saber seus nomes. Não foi possível. Um soldado, principalmente durante a campanha, não manda em si.
Na guerra há dessas coisas…”
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“Um outro acontecimento, que merece ser contado, aconteceu em BOMBIANA, bem próximo de Castelo, durante a fase defensiva devido ao inverno rigoroso.

A nossa Seção de Morteiros ocupou posições em Bombiana e a guarnição ocupou uma casa de camponês italiano que ali existia. A casa tinha dois pavimentos. O térreo era habitado por um casal de italianos e tinha uma sala, um quarto e cozinha e o pavimento de cima era habitado por um casal de franceses com uma filha de 10 ou 11 anos. Tinha 3 quartos e uma área de circulação. A família que ocupava a parte térrea era de camponeses e devia ser os donos da propriedade. Eram designados por “babo” e “mama”. Não ficamos sabendo se tinham filhos. Quanto à família do andar de cima, parecia ser gente de fino trato. Não ficamos sabendo o porquê de estarem ali.
Com a nossa chegada à família passou a utilizar um único quarto, os outros dois foram ocupados por nós.
Nessa posição chegamos a passar fome. A comida chegava pela manhã, antes do sol raiar, e à tarde quando escurecia. A estrada que dava acesso à nossa posição era vista pelos observatórios inimigos situados em cristas dominantes, razão pela qual era intransitável durante o dia. Nessa posição só saíamos do abrigo quando tínhamos missão de tiro, pois deveríamos ter o cuidado para não denunciarmos a posição. Felizmente o francês não deixava faltar lenha para a lareira.
Um dia a “bóia” não chegou à noite e também não chegou na manhã do dia seguinte. Eram mais de 12 horas e a nossa fome era de matar… Deitados em nossas camas, procurávamos afugentar aquela fome que nos atormentava. Não tínhamos, realmente, nada para comer porque “catoletas” que nos haviam dado como rações de reserva eram demasiadamente enjoativas e, por isso, demos para os habitantes da casa. O jeito era esperar que anoitecesse e então…
Foi nesse momento que a francesinha entrou em nosso quarto com dois pratos de macarrão, um par mim e outro para meu companheiro de quarto. Creio que foi o mais gostoso prato de macarrão que comi em toda a minha vida.
Com a família italiana que morava no andar térreo, tivemos menor contato porque como disse, durante o dia raramente saímos de nossos abrigos, não só para não denunciar a posição como também devido ao frio que era muito intenso.
Certa vez desci ao pavimento térreo, o italiano chamou-me em particular e me ofereceu “uma binquera de vino” mas pediu-me que guardasse segredo porque ele tinha pouco vinho e não poderia oferecer a todos.
Saboreamos o gostoso vinho, e quando saí para substituir o meu companheiro no observatório e na escuta do telefone, o italiano, novamente, pediu-me que não falasse com ninguém sobre o convite, pois ele tinha poucas garrafas para passar o inverno.
O vinho, naquela região, é uma bebida muito apreciada e muito útil porque ativa a circulação do sangue, promovendo uma sensação de aquecimento.
Logo que cheguei para substituir o meu companheiro, comentei o fato e ele disse-me que já havia sido convidado e que ouviu do italiano a mesma “parola”.
Muitos outros acontecimentos poderia contar. Escolhi justamente estes porque me agrada falar sobre a cordialidade e o espírito de solidariedade daqueles camponeses italianos.
Nem a guerra, com toda a sua brutalidade, conseguiu destruir ou modificar o espírito cordial e até mesmo exagerado daquela gente boa e simples.

*FONTE: Do livro “Histórias de Pracinhas” Contadas por eles mesmos Autor: Vet Maj Álvaro Duboc Filho
   *Site: http://www.anvfeb.com.br

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